Eu conheci a Gabi através de uma amiga que nos apresentou “virtualmente” pelo whatsapp…e o que a levou a criar essa conexão. entre nós, foram as minhas experiências de work exchange na estrada.. depois de alguns whatsapps trocados para responder e ajudar a Gabi nas dúvidas sobre o planejamento da sua viagem de work exchange, começamos a “seguir” uma a outra e com isso passei a acompanhar seu dia a dia viajando o mundo…
…e claro que depois de testemunhar tantas aventuras, sorrisos e perrengues na sua jornada como professora voluntária de crianças carentes no sudeste asiático, eu não pensei duas vezes antes de fazer o convite para que a Gabi escrevesse para os leitores do Por Uma Vida mais Rica e assim inspirar você ainda mais a viajar com propósito!
Texto: Gabi Pazos
Neste exato momento, escrevo deitada em uma cama sem colchão, dividindo quarto com uma menina de 12 anos. Ela é a filha mais velha da família vietnamita que está me hospedando há 3 semanas, em uma vila a 50 minutos da capital do Vietnam, depois que eu tive um acidente de moto no norte do país que me deixou 3 dias internada no hospital.
Pensei em começar essa história de trás para frente. Sabe, é que a minha vida nunca foi organizadinha mesmo, e este texto não refletiria bem esta moça que está escrevendo se fosse redigido na ordem normal. Pronto, já esbarramos na questão logo de cara. Eu queria deixar essa reflexão mais sutil, mas esta pergunta apareceu intuitivamente por aqui e acho melhor não ignorá-la: o que é normal?
Tenho 3 décadas de vida e, hoje, não possuo praticamente nada do que a sociedade do meu país preconiza que eu deveria ter na minha idade.
Não tenho um emprego fixo.
Não recebo um salário mensalmente na minha conta.
Não tenho um plano de carreira.
Não estou pagando a prestação de um apartamento.
Não tenho namorado e nem planos de casamento à vista.
Não sei quando terei filhos (e se eu adotar?).
Não tenho um lugar para chamar de casa.

Mas, olha só… Tenho uma cama sem colchão na casa de uma família vietnamita que abriu as portas para mim sem sequer me conhecer quando eu mais precisei durante essa viagem de voluntariado pela Ásia que está quase completando 4 meses. E como eu vim parar na Ásia? Fui trazida pela dor.
Desde 2009, eu já recebi 3 diagnósticos psiquiátricos diferentes. De lá para cá, foram 8 anos de medicamentos controlados, internação, 2 tentativas de suicídio, 11 sessões de eletrochoque – sem falar que perdi a maior chance que tive de concretizar o sonho da minha vida por conta disso. Essa é uma longa história, mas eu sou atriz e passei em um teste para uma minissérie no Rio de Janeiro em 2010. Tive que voltar para São Paulo antes mesmo de começar, porque minha depressão já estava bastante avançada na época.
Você deve estar pensando que isso tudo foi muito ruim para mim. Talvez ache que eu falo sobre o assunto com tristeza ou um sentimento de fracasso, injustiça ou algo do tipo. Não. Eu só agradeço. Quase uma década depois desse episódio, eu agradeço por cada perrengue, leve ou pesado, pelos quais passei. Eles todos, juntos, me trouxeram até onde estou. Eles me fizeram descobrir minha própria força e encontrar uma coragem que eu nem sabia que tinha.
Tudo de ruim que aconteceu com a minha saúde mental me trouxe até o outro lado do mundo, no meu projeto de voluntariado pela Ásia. E, hoje, meu corpo e mente nunca estiveram tão saudáveis. A Ásia tem feito isso comigo há quase 4 meses. E, entre perrengues e glórias, tem sido a minha cura. E isso é lindo.
De trás para frente, na linha do tempo da minha viagem: estou quase completando 2 meses de Vietnam, antes de embarcar para um destino surreal, em um projeto muito especial com crianças órfãs. Cheguei a Ha Giang, no norte do Vietnam, para dar aulas como professora voluntária de Inglês. Esse projeto foi recomendado pela amiga de uma amiga minha francesa. E foi uma decepção.
Sim, nem tudo são flores na estrada, portanto não caia no papo de quem vende a ideia de que viajar por aí fará de você a pessoa mais feliz do mundo. Pode até fazer, mas você precisa saber que rola perrengue atrás de perrengue. A beleza está em como os solucionamos…

Basicamente, quando cheguei à cidadezinha, descobri que a dona desse projeto tem uma escola particular de inglês e 2 hotéis. E eu havia ido até lá com a “promessa” de ensinar crianças carentes da comunidade local… Ela paga um salário bem baixo para professores vietnamitas recém-formados, de cerca de 22 anos de idade, e usa os voluntários de outros países para impulsionar o marketing da sua escola, dizendo que os alunos terão aula com estrangeiros. Os pais pagam e, além disso, ela recebe um subsídio do governo. Ou seja, ela ganha de todos os lados.
Talvez você esteja achando que essa mulher é uma pessoa sacana, de má-fé. Pois, não exatamente. As coisas no Vietnam funcionam assim. Engana-se quem pensa que o país é de uma população de pobres coitados, devastados pelas guerras contra França e EUA. Não!
O Vietnam tem o maior crescimento econômico entre os países do sudeste asiático hoje, recebeu aportes altíssimos de dinheiro após o final da guerra e a população tem suas necessidades básicas atendidas, como escola, saúde, alimentação e transporte.
Além disso, álcool e fumo são muito baratos no país, o que atende a população no quesito “diversão”. Se você lembrou da política do pão e circo no império romano, saiba que é por esse caminho que muitas coisas acontecem por aqui.

O Vietnam é uma experiência difícil de explicar em palavras. Há pessoas que vêm para cá e odeiam. Outras apenas gostam. Algumas amam. Eu sou uma dessas. Amo esse lugar, ainda que ele seja bastante incômodo em vários aspectos.
Dizem que a gente só cresce no desconforto, não é? Pois, conheça o Vietnam mais a fundo e você entenderá na pele a expressão. Hoje, eu moro na casa da dona de 3 escolas de inglês na vila onde estou, dou aulas para os alunos regulares e também para crianças de um projeto social que a escola tem aos finais de semana.
Antes daqui, passei 1 mês nas Filipinas. Esse país era um sonho para mim. E, lá, eu decidi viajar durante as primeiras 2 semanas com a melhor amiga que havia feito no voluntariado do país anterior (já chego a essa parte) e ir dar aulas em um projeto nas outras 2 semanas.
Fizemos um roteiro por ilhas que não eram as mais procuradas por turistas. Seria lindo, mas também muito mais caro viajar pelos lugares mais famosos. Estabelecemos um budget diário de 75 reais (1000 pesos filipinos).

Com esse dinheiro tínhamos que pagar tudo: acomodação, transporte, alimentação, deslocamento entre as ilhas e possíveis passeios. Nós demos nó em pingo d’água, sério. Comprávamos aveia e frutas (nós duas somos veganas) e comíamos uma tigela gigante no café da manhã. Pulávamos o almoço e comíamos algum pacote de uma bolacha vegana bem barata e deliciosa que encontramos por lá ou algum pão de uma rede de padarias que tinha em toda esquina. E aí jantávamos em algum lugar barato de noite.
Pesquisávamos muito os hostels e os passeios que poderíamos fazer dentro do nosso orçamento, e escolhíamos os horários mais baratos de deslocamento entre um lugar e outro. Esse é um fator essencial a ser considerado quando se visita as Filipinas, visto que o país tem mais de 7 mil ilhas e sempre é preciso considerar o tempo e o custo dos deslocamentos por mar.
Conhecemos alguns mochileiros no caminho e descobrimos que aqueles que viajavam com o orçamento mais em conta tinham um budget diário de 22 euros. O nosso era 17! Ou seja, apertando daqui e dali, é perfeitamente possível viajar por ilhas paradisíacas de um país inacreditável de lindo como as Filipinas.
Depois disso, viajei durante 3 dias para chegar até a ilha onde eu faria meu voluntariado. Daria para pegar um avião e encurtar muitíssimo o tempo de viagem. Mas sairia mais caro, então comecei essa saga de 3 dias. Meu deslocamento foi por meio de:
um barco, durante 4 horas;
um navio, no qual o trajeto deveria durar 23 horas de viagem mas durou 28, com os atrasos;
um taxi compartilhado, por 1 hora;
um ônibus, durante 14 horas;
um barco, por 3 horas;
uma carona, que durou 1h30.
No meio disso, havia os tempos de espera. Foram 3 dias de viagem, mas economizei com o avião e tive uma experiência inesquecível na terceira classe de um navio que conectava as duas maiores cidades do país.

Chegando ao porto, onde eu esperaria o dono do projeto para me dar carona até o lugar, tivemos uma semi-briga. Digo “semi” porque, mesmo com todo o cansaço, calor, fome e esgotamento mental depois desses 3 dias de viagem, felizmente consegui respirar e, com a ajuda de 3 amigas, pude raciocinar, negociar com o cara e encontrar uma saída para ficar no projeto.
Resumidamente, houve uma falha de comunicação brutal e um erro da minha parte e da parte dele. Isso me fez chegar até um projeto que não tinha absolutamente nada a ver com o que eu buscava. Era um resort pé na areia em uma praia quase particular para turistas russos que vinham praticar surf e ter aulas de inglês com voluntários de países onde o Inglês é a língua nativa. Talvez você esteja se perguntando como eu pude ir cair em um lugar tão diferente do que eu vinha procurando pela Ásia.
Honestamente, eu não tenho a resposta muito clara. Comecei minha viagem pelo continente com um voluntariado que encontrei pelo site Workaway. Essa experiência foi maravilhosa. Acho que era sorte de principiante, sabe..
. E aí eu descuidei na hora de fechar esse segundo voluntariado. Quase tive um problema bem grande por lá mas, finalmente, consegui organizar um grupo de crianças locais, que eram os filhos dos funcionários do resort, e eu dava 2 aulas por dia para eles, não apenas uma. Além disso, dava aulas de conversação para os russos também e acabei aprendendo muito sobre a cultura russa.
Amava estar com as crianças e, de certa forma, me senti orgulhosa por transformar aquele problema, por enxergar uma solução em algo que parecia complicado de resolver sem perder a cabeça. Aquela situação me apontou o meu próprio erro de planejamento, algo fundamental quando estamos em viagens longas e/ou com orçamento apertado.
Eu podia voltar para trás e ficar reclamando que tinha dado errado. Ou ficar e enfrentar aquela situação chata e incômoda. Ainda bem que eu fiquei. Valeu pelo contato com a cultura russa, pelos lugares paradisíacos que conheci na região, as amizades que fiz e, principalmente, pela vivência linda e inesquecível que tive com as crianças da comunidade local.
Seguindo de trás para frente, o meu primeiro país na Ásia foi a Tailândia. Foram 41 dias e uma certeza ao final: eu vou voltar. A Tailândia me revirou de cabeça para baixo. De uma forma bem diferente do Vietnam que, com certeza, é o local com experiências mais profundas e difíceis até agora. Fato é que a Tailândia me desvirginou. Fez eu me afrontar com situações pelas quais eu até imaginava que passaria, mas não tinha a menor ideia de como seria. Lá, quebrei um dente comendo amendoim logo na primeira semana e tive um problema grande de comunicação no dentista.

Lá eu dei minha primeira aula de inglês para crianças e foi um fiasco tão grande, que eu decidi que, dali em diante, minhas aulas teriam que ser muito, mas muito boas, e persegui esse objetivo incansavelmente.
Lá, entrei em contato com crianças órfãs de uma tribo que tem um idioma próprio e onde as pessoas sequer possuem documentos de cidadãos tailandeses. Lá, vivenciei um pouco da cultura budista e entendi como a religião pode influenciar diretamente o comportamento de uma sociedade.
Lá, comecei o desafio de ser vegana na Ásia (juro que achei que seria mais fácil). Lá, me senti sozinha às vezes, absurdamente feliz em outros momentos, depois sozinha de novo e feliz de novo, em um looping contínuo, delicioso e assustador de felicidade e solidão.
Lá, comecei a entender como seria minha jornada por cerca de um ano como professora voluntária pela Ásia. E me apaixonei pela Gabriela que eu comecei a me tornar na Tailândia. Esse lugar tem meu carinho e gratidão eternos e voltar para lá será a minha redenção. Não tenho a menor dúvida disso e conto os dias para o momento do retorno chegar.
Enquanto isso, eu sigo sabendo que tomei a decisão mais audaciosa e corajosa da minha vida ao decidir deixar tudo e todos para fazer essa viagem.

Ela tem sido
minha cura,
meu encontro comigo,
meu mergulho nas maiores dores,
meu gozo dos maiores amores,
meu orgulho,
meu medo,
minha saudade,
meu renascimento,
minha coragem,
minha coragem,
minha coragem.
Onde mora a sua?
Gabriela Pazos
Vivendo a Ásia e contando histórias

Gabi Pazos é formada em Artes Cênicas, com Pós em Administração, trabalhou por anos com Produção de Eventos, morou 2 anos da Europa, rodou 33 países, e acha essas descrições meio pé-no-saco, especialmente quando feitas em terceira pessoa.Então, prefiro dizer que sou uma mina de 30 anos que durmo e acordo tentando achar alguma graça nos meus perrengues. Onde há sorrisos, talvez haja mais vida. Que venham os próximos… Perrengues e sorrisos!
Instagram: @gabipazos
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